Memórias Automotivas

Assim como aconteceu quando comprei o meu Fusquinha, uma das coisas mais interessantes sobre os carros antigos é conhecer a história deles – quem  foram os donos anteriores, o que aconteceu com o carro, como ele era utilizado, os lugares em que ele passou. Não só as coisas boas, mas também os contratempos. É curioso que normalmente quando temos um problema, na hora ficamos preocupados em resolver e muitas vezes nos perguntamos: “porque isso está acontecendo comigo?”, mas  com o passar do tempo normalmente são essas coisas que geram boas conversas e boas risadas. Uma vez eu assisti uma palestra de um repórter de rádio famoso e quando alguém perguntou para ele porque os jornais noticiam tantas coisas ruins, ele respondeu que era porque os jornais noticiam fatos que sejam relevantes para as pessoas, que se fossem fatos comuns do dia-a-dia ninguém teria interesse em saber. E é isso mesmo, então o que eu pretendo contar aqui com as minhas memórias automotivas são situações pelas quais eu passei ao longo da vida, bons momentos e também aqueles que enquanto ocorriam pareciam difíceis, mas que hoje são lembrados com grande prazer e encarados como ótimas experiências vividas. Infelizmente nenhum destes carros estão mais na família, apenas as boas lembranças.

Ford Royale 2.0 GL 1993

As gerações mais novas de hoje talvez nem saibam o que foi a Ford Royale, no final da década de 80 e início dos anos 90 existia um grupo formado pela Ford e Volkswagem chamado Autolatina, era a mecânica de uma sendo usada na outra ou os mesmos carros com apenas diferenças de acabamento. Este era o caso do Versailles (sedã) e da Royale (perua), eram as versões Ford do Santana e da Quantum feitos pela Volks. As diferenças eram de detalhes como lanternas, faróis, para-choques, estofamento, painel, e no caso da perua a Royale, ela foi lançada somente na versão duas portas enquanto a Quantum era sempre quatro portas. Eu já ouvi falar também que haviam diferenças na calibragem dos carburadores e suspensão, mas não posso comprovar isso. No final das contas os carros ficavam bem diferentes entre si, uma pessoa pouco atenta poderia até pensar que eram modelos diferentes. Hoje a maioria esmagadora dos carros vendidos no Brasil são quatro portas mas até o início dos anos 90, pelo menos para o gosto do consumidor Brasileiro era exatamente o contrário, quase todos os carros eram duas portas, e a Royale foi lançada desta forma. Hoje é quase que inimaginável uma station-wagon de duas portas mas vale lembrar por exemplo que a Caravan da GM saiu com apenas duas portas durante toda a sua existência.

VW Quantum vs. Ford Royale
VW Quantum vs. Ford Royale (Fotos: Internet, autores desconhecidos)

Eu sou suspeito para falar, mas na minha opinião a Royale era bem mais bonita que a sua irmã Quantum, eu sempre achei que a forma como os vidros laterais da Royale eram presos (não havia borracha aparente entre o vidro e a lataria do carro e eles eram nivelados com a lataria), e também o formato das lanternas traseiras e grade dianteira pintada na cor do veículo davam um ar muito mais moderno para a Royale. Somente no “quesito painel”, eu achava que o da Quantum tinha um design mais moderno. No nosso caso era uma Royale GL 2.0 à ácool, o motor rendia 118 HPs e aproximadamente 18 Kgf de torque, uma boa diferença frente a versão à gasolina que rendia 108 HPs, dez a menos que o à álcool. O carro era carburado e tinha o famoso afogador manual, comum nos carros à álcool daquela época, algo que quem não sabia usar direito sofria muito quando o motor estava frio. Muita gente costumava falar que carro à álcool era difícil de pegar de manhã, mentira! Ou melhor, falta de conhecimento, a Royale com o reservatório de gasolina para partida à frio devidamente abastecido e o afogador devidamente puxado sempre pegou de primeira. A grande questão era sair andando com o carro logo em seguida, aí sim tinha que saber dosar bem o afogador, se puxasse demais o motor ficava muito acelerado a ponto de que ao soltar a embreagem e o carro arrancava sozinho e se puxasse pouco, apesar da marcha lenta parecer boa o carro não tinha força para arrancar.

 

Com relação ao desempenho, me lembro que a Royale chegava com relativa facilidade aos 170 km/h, com um pouco mais de dificuldade aos 180 km/h, e sinceramente não me lembro de passar dos 180 nunca. A sensação de força que o carro passava para o motorista era boa, eu me lembro que ao arrancar pisando fundo o motor roncava grosso e a frente do carro empinava para cima. É curioso como esse tipo de coisa não depende apenas da potência e do torque em si, mas das rotações que eles são atingidos, relações de marcha, etc. Uma vez eu estava virando uma esquina devagar, em primeira mesmo, e assim que entrei na outra rua afundei o pé no acelerador e o carro chegou a cantar pneu, não é qualquer carro que canta pneu com o motor em baixa rotação assim sem sequer pisar na embreagem. Quanto ao consumo, tomando como base uma viagem comum de aproximadamente 560 km que fazíamos com bastante frequência, eu me lembro bem que não dava para chegar ao destino sem reabastecer, então considerando que o carro tinha um generoso tanque de 72 litros eu deduzo que na estrada devia consumir algo em torno dos 7 ou 8 km/l. Isso andando a uns 120 – 130 km/h

Manual do Proprietário Ford Royale
Manual do Proprietário Ford Royale
Dados Técnicos Ford Royale
Dados Técnicos Ford Royale
Dimensões Ford Royale
Dimensões Ford Royale

Os carros nacionais daquela época apesar de estarem bem para trás dos modelos importados no quesito de tecnologia, algo que hoje é um pouco mais globalizado, eles tinham aspectos de acabamento mais luxuosos que os atuais, por exemplo bancos com forração de tecido aveludado eram de série na Royale, e as portas eram inteiramente forradas de material macio. Tirando o porta-trecos não havia nenhum outro pedaço de plástico rígido nas portas e laterais internas. Até mesmo o porta-malas tinha o piso forrado com o mesmo carpete da parte interna do carro. Hoje este tipo de coisa só é visto em carros de padrão bem mais elevado.

 

Este exemplar esteve na família durante 10 anos, de 1993 À 2003 e para mim especificamente pareceu mais ainda. Quando meu pai comprou eu tinha apenas 13 anos de idade, ou seja eu era uma criança que só andava no banco de trás, porém ela ainda estava lá quando eu fiz 18 anos e tirei carta de motorista, e eu tive o prazer de dirigir ela por cerca de mais 5 anos. Para aquela idade 10 anos representam muitas mudanças na vida. É difícil saber quantos quilômetros ela tinha quando foi vendida, hoje enquanto eu escrevo este texto eu me lembro que o hodômetro marcava exatamente 53.712 km e foi isso que ele marcou durante muitos anos desde que parou de funcionar, na realidade eu chutaria algo em torno de uns 140.000 – 180.000 km.

Motor Ford Royale 1993 nova
Motor Ford Royale 1993 nova
Interior Ford Royale 1993 nova
Interior Ford Royale 1993 nova
Ford Royale 1993 nova
Ford Royale 1993 nova

Para quem fica com um carro durante dez anos e principalmente se utiliza muito esse carro, é claro que muitos incidentes e até acidentes acontecem durante a vida do carro, e não foi diferente com este. Eu acredito que quando foi vendido, a pintura original do carro só estava presente nos para-lamas do lado direito e na tampa do porta-malas, todo o resto já tinha sido repintado em algum momento. Logo nos primeiros meses uma “bundada” amassou a porta do passageiro, e numa rotatória, uma moto atravessou pelo meio e pegou o para-lama dianteiro esquerdo enquanto a minha mãe ia me buscar na escola. Em 1995 quando o carro já tinha uns dois anos, eu me lembro exatamente deste episódio, era uma noite de Junho que ia ter festa Junina na escola, nós não fomos na festa porque na mesma noite a minha prima ia participar de uma apresentação de dança no Teatro Municipal, saindo do teatro fomos a um restaurante alemão no bairro de Moema, deixamos o carro com o manobrista e quando estávamos de costas para o carro entrando no restaurante ouvimos aquele “baaamm”!!! Viramos para trás e só deu par ver a porta do carro girando no meio da rua. O manobrista havia deixado a porta aberta e um outro carro que vinha passando simplesmente não desviou e arrancou completamente a porta do motorista!


Fogo no Motor! Difícil dizer se esta foi realmente a ordem cronológica dos fatos, mas eu acho que sim. Num domingo à tarde estávamos no finalzinho da Rodovia Raposo Tavares (o começo da rodovia na verdade) já entrando na cidade de São Paulo e o carro começou a falhar bastante até o motor morrer, meu pai foi encostando do jeito que deu e o carro ficou meio que no meio de uma esquina. Eu estava na frente no banco do passageiro e meu irmão atrás, havia uma fumacinha saindo pelo vão do capô, eu desci e abri para ver o que era (talvez estivesse fervendo) mas na mesma hora tomei o maior susto. No momento em que eu abri já subiu uma labareda enorme quase na minha cara, eu pulei para trás, soltei o capô e dei um grito: Tá pegando fogo!!! Sinceramente eu fiquei sem reação, não sabia o que fazer, se corria para longe do carro, se tentava tirar os aeromodelos que estavam no porta-malas ou se tentava apagar. Nesta hora por sorte meu pai e meu irmão desceram do carro já com o extintor na mão para tentar apagar o fogo. Outra coisa que eu fiquei impressionado foi a solidariedade de quem passava, não levou segundos para que um outro carro parasse e o motorista já viesse correndo com o extintor para ajudar. Mais tarde deu para ver que o desespero de abrir o capô novamente foi tão grande que até quebrou a maçaneta que fica em baixo do painel. Por toda a estória adiante, eu não preciso nem dizer que conseguimos sim apagar o fogo.

 

Os estragos não foram tão grandes como o tamanho das labaredas, queimaram apenas mangueiras, fios e peças de plástico, e por fim as despesas foram cobertas pelo seguro. O motivo do incêndio foi o rompimento da mangueira de combustível que cruzava o motor de um lado para o outro bem por cima dele, indo da bomba de combustível até o carburador. Meses depois surgiu um recall da Ford para trocar aquela mangueira nos carros exatamente da época do nosso, mas daí para nós já era tarde demais. Este talvez seja um exemplo prático de que provavelmente quando uma montadora decide fazer um recall é porque uma ou mais pessoas já passaram pelo problema descrito.

Mangueira de combustível
Mangueira de combustível

No final de 1996 um outro acidente, desta vez num cruzamento em Uberlândia, MG. Um pouco de pressa, uma moto que atravessou na frente, e uma pessoa que não freou achando que ia dar tempo de passar foi basicamente o que resultou no acidente. Estava a família toda no carro, meu pai parou na esquina viu que vinha um carro na outra rua mas que dava tempo de cruzar na frente dele, então acelerou e foi em frente, mas quando estava no meio do cruzamento uma moto que estava parada do outro lado da rua resolveu sair também. Meu pai foi obrigado a frear para não bater na moto só que o carro que vinha na outra rua e nos viu cruzando rapidamente não percebeu a freada, ele também havia calculado que dava para continuar na mesma velocidade que estava. O resultado foi uma batida na lateral traseira esquerda da Royale, bem atrás mesmo, entre a roda e a ponta do para-choque.

 

O tranco foi bem grande, para se ter uma ideia do solavanco o estepe saiu de dentro do compartimento dele e a haste da boia do tanque entortou. Fez um bom afundado na lateral do carro e até mesmo um pequeno vinco no para-lama do outro lado mas apesar de tudo isso o carro continuou andando normalmente. Como estávamos passando um período longo de férias, o conserto foi feito em uma concessionária da Ford de lá mesmo. Anos depois alguns reflexos deste acidente ainda seriam descobertos, por algum motivo o pneu traseiro esquerdo começou a se desgastar de forma desigual. Ao final da vida útil ele ficava tão torto que andando no trânsito congestionado dava para sentir a traseira do carro subindo e descendo o tempo todo. Em alta velocidade era uma vibração como se uma das rodas estivesse completamente desbalanceada. Outra consequência que só apareceu anos depois foi em relação às forrações internas do porta-malas, elas tinham minúsculas trincas que foram vistas como desnecessárias para serem trocadas no momento do conserto, só que com o tempo aquelas trincas foram aumentando e deixando o carro muito barulhento, cheio de ruídos internos. Eu e o meu irmão de vez em quando desmontávamos aquelas forrações e colocávamos vários pedacinhos de espuma autoadesiva em todos os lugares que percebíamos que havia algum atrito entre as partes, isso minimizava bastante os ruídos mas não sanava o problema completamente.  Falando de uma forma geral sobre ruídos internos, isso é uma coisa que as peruas tendem a ter mais que os sedãs, pois todo o compartimento do porta-malas fica para dentro do carro e geralmente o acabamento do porta-malas não é tão bom quanto o de onde vão os ocupantes do carro. Se eu comentei anteriormente que todas as laterais do carro eram de material macio, no porta-malas não, elas eram de plástico rígido mesmo.

 

Chega de acidentes e incêndios, nos seis anos finais não aconteceu mais nada disso, em 2001 a Royale voltou a uma oficina de funilaria mas para repintura do capô e da capota. Nesta época já havia uns três anos que o carro dormia na rua e os efeitos das intempéries começaram a ser sentidos. A alternância do sereno noturno com o sol quente do dia sobre aquela cor azul escura foi primeiramente tirando o brilho da pintura, depois deixando-a esbranquiçada, até que resolvêssemos fazer a repintura daquelas áreas para tirar aquele visual de carro velho.

Represa de Jurumirim - Piraju, SP
Represa de Jurumirim - Piraju, SP
Pista de aeromodelo - Uberaba, MG
Pista de aeromodelo - Uberaba, MG
BR 452 submersa pela represa de Nova Ponte, MG
BR 452 submersa pela represa de Nova Ponte, MG
Aeroporto de Nova Ponte, MG (interditado)
Aeroporto de Nova Ponte, MG (interditado)

Foram muitas as viagens feitas com a Royale, era um carro resistente que enfrentava trechos de 560 km entre São Paulo e Uberaba – MG em quase todos os feriados durante vários anos e com carga total. A traseira ia afundada com a suspensão quase no final do curso, e se não bastasse isso ainda rodava frequentemente por estradas de terra em velocidades de 80 km/h ou mais. Mas apesar destas viagens frequentes eu gostaria de contar sobre uma em específico para um outro lugar:  Blumenau – SC, distante cerca de 640 km de São Paulo.

Se não me engano esta viagem foi feita em Abril de 1996 e foi uma grande aventura, mesmo hoje em 2016 com estradas duplicadas quase que daqui até lá, eu ainda acho uma viagem cansativa devido aos longos trechos de curvas, que atravessam três serras diferentes. Naquela época era bem pior, era pista simples a maior parte do tempo e os únicos trechos duplicados eram bem pertinho da cidade de São Paulo e nas imediações de Curitiba – PR.

 

Já na saída de São Paulo após rodar uns 50 km a luz da bateria começou a ascender, tendo em vista os mais 600 km que teríamos pela frente decidimos que o melhor seria voltar para São Paulo e arrumar o carro emergencialmente por aqui mesmo para depois fazer a viagem com segurança, só que no meio da volta a luz apagou e não ascendeu mais. Fizemos o retorno mais uma vez e novamente em direção a Curitiba decidimos continuar a viagem, eu não preciso nem dizer que a luz voltou a ascender depois né? Sim, era um problema intermitente e foi assim durante quase toda a viagem, nos causando grande preocupação de uma hora não apagar mais e a bateria descarregar por completo.

 

A rodovia BR-116 – Régis Bitencourt era conhecida como “rodovia da morte” devido ao grande número de acidentes fatais, era a primeira vez que passávamos por lá (não para os meus pais, mas já faziam mais de 20 anos e a situação era bem diferente, então digo que era a primeira vez para todos), eu particularmente tendo como referência a velha e conhecida BR-050 que também era de pista simples e tinha trânsito muito intenso, eu pensava que a BR-116 teria uma fila interminável de caminhões, mas não era nada disso. A quantidade de veículos era bem menor do que na outra, o que a deixaria tão perigosa então? Não demorou muito para descobrirmos a resposta. O trânsito de uma hora para outra parou completamente, no sentido contrário pista deserta, um sinal de que a estrada estava interditada mais a diante. Foi uma cena estranha e engraçada ao mesmo tempo, um pouco mais a nossa frente ia uma D20 e o motorista desceu de meias brancas no meio do asfalto pondo as mãos na cabeça e se movimentando como se não acreditasse no que estava acontecendo. Ficamos por alguns segundos olhando aquele sujeito doido de meia no meio da estrada, e olhando melhor, espera aí, nós conhecemos ele! Estávamos indo ao maior encontro de aeromodelismo no Brasil e ele era um aeromodelista conhecido nosso de Uberaba que também estava indo para lá. Até que a situação não foi tão ruim assim, rendeu um bom bate-papo, explicamos do suposto problema com o alternador da Royale e combinamos de seguir viagem juntos. O motivo do trânsito parado era um grave acidente envolvendo ônibus e caminhão onde um dos veículos havia se incendiado, daí o apelido da estrada de rodovia da morte. Eu acredito que a principal causa dos acidentes lá era devido à quantidade de curvas e não ao número de veículos como eu pensava anteriormente.

 

Nos quilômetros que seguiram nós fomos um bom tempo juntos com o pessoal de Uberaba, em alguns trechos nos perdíamos de vista depois voltávamos a nos encontrar, até que no meio de uma chuva fortíssima nos separamos de vez. Se não bastasse a chuva bem nessa hora a luz da bateria estava acesa, mais uma preocupação pois tínhamos que ligar o limpador do para-brisas. Essa chuva persistiu desde o trecho de subida de serra na região da divisa dos estados de SP e PR até um pouco antes de Curitiba. Já no trecho duplicado um pouco antes de Curitiba, nós notamos uma Quantum que havia saído da estrada e batido no gurad-rail, dias depois lá em Blumenau, nós ficamos sabendo que era um outro aeromodelista de São Paulo que havia aquaplanado e perdido o controle do carro, não foi nada grave apenas amassou um pouco o carro.

 

Passamos por Curitiba ainda de dia, naquela época não existia ainda o rodoanel que hoje tem lá e era preciso passar meio que dentro da cidade em vias com semáforos para pegar a BR-376 em direção à Joinville - SC, algo que contribuía para aumentar o tempo total de viagem. Feita a descida da serra, agora na região de Joinville, apesar de não ser perceptível paro o motorista o nome da estrada muda para BR-101, a famosa rodovia que segue o litoral do Brasil por milhares de quilômetros. Eis aí o nosso próximo desafio: ela estava toda em obras de duplicação naquele trecho, me lembro de ficar parado num congestionamento enorme durante horas. Naquele tempo não existia GPS então enquanto lentamente seguíamos pelo trânsito também consultávamos um mapão, daqueles de papel mesmo, para tentar achar alguma rota alternativa, já era noite neste momento. Vimos então que dava para sair da BR-101 em direção a Jaraguá do Sul, passando depois por Pomerode e então Blumenau. Tenho boas recordações desta estradinha local, principalmente nas proximidades de Pomerode, uma cidade de origem da imigração alemã e toda aquela aparência europeia. Passamos por lá tarde da noite e as ruas e a estrada estavam desertas. Todo aquele mistério de seguir um caminho sem saber exatamente se estávamos indo para o lugar certo foi muito legal. São essas coisas que eu comentei no início que na hora parece estar dando tudo errado, mas que depois se tornam inesquecíveis.

 

No fim, com tanto tempo que se passou desde quando fizemos a viagem até agora quando escrevo este texto, é difícil precisar exatamente quanto tempo a viagem durou mas eu acredito que foram mais de 12 horas, pois saímos de São Paulo de manhã e chegamos em Blumenau tarde da noite, bem mais demorado quando consideramos que o tempo normal é de aproximadamente 9 horas. Durante os dias que ficamos lá o problema da luz do alternador parou, e pelo que me lembre não voltou a acontecer durante todo o retorno, o problema só foi mesmo solucionado definitivamente em São Paulo mesmo. Era o regulador de voltagem.

Uma Família de Peruas

É curioso que eu me lembro que na época que o meu pai comprou a Royale ele não estava muito querendo comprar uma perua, ele dizia que estava cansado de peruas porque já tinha tido uma Variant durante 15 anos, de 1976 à 1991, mas o motivo da compra da Royale falou mais alto. Além de ser o carro da família, o motivo de ser uma perua era basicamente para transportar aeromodelos de rádio controle. O que aconteceu depois com os carros que a substituíram foi exatamente o contrário, a Royale foi a primeira de uma série de peruas, vieram três outras peruas depois. Eu não considero que a Variant foi a primeira da série porque nos últimos anos ela era muito pouco utilizada, já estava em condições bastante degradadas e nem  ficava em São Paulo, onde moramos. O que aconteceu foi que a Royale foi tão bem sucedida na sua missão de transportar aeromodelos que sempre que um carro ia ser trocado vinha a tona o fato de que ele também deveria servir para isso. Eu pretendo falar um pouquinho destas outras peruas de uma forma bem mais resumida, trazendo as principais características que marcaram a minha lembrança de cada uma delas.

Fiat Palio Weekend 1.6 16v 1997

O Palio na verdade veio com a função de um segundo carro para ser usado nos dias de rodízio da Royale (rodízio de placas em São Paulo onde cada dia da semana só podem andar carros com dois finais de placa, por exemplo na Quarta Feira só andam carros com final de placa 5 e 6). Inicialmente não era para ser uma perua, era para ser um hatch back compacto mas como eu falei, não daria para transportar aeromodelos. Um fato curioso que motivou a escolha do Palio foi que inicialmente era para ser uma Parati, mas o mau atendimento do vendedor da Volks fez com que saíssemos da concessionária com raiva e fossemos olhar um carro de outra marca, fomos então a uma concessionária da Fiat apenas algumas quadras distante da primeira. Me lembro que gostamos do Palio, que era um carro bem de dsign bem atual na época, a primeira geração havia sido lançada cerca de um ano e meio antes, fomos também a uma concessionária da Ford olhar uma Escort SW mas era um carro bem mais requintado que pelo valor fugia muito da proposta inicial de ser um carro para os dias de rodizio. No final o Palio foi comprado em uma outra concessionária bem longe de casa mas que estava oferecendo por um preço bem melhor pelo fato do carro ser um dos últimos modelos 1997 à venda, naquela época do ano a maioria já era 1998. Era um modelo sem nenhum opcional, tinha apenas direção hidráulica porque era de série.

 

O Palio ficou na família por cerca de 10 anos, até 2007 ou 2008 se não me engano e se eu puder qualificá-lo rapidamente a primeira coisa que eu diria é: o motor é muito forte. E como era forte, o carro andava muito! Foi o nosso primeiro Fiat e também o primeiro carro com quatro válvulas por cilindro, era incrível como depois das 4.000 RPM o conta giros disparava até quase tocar no vermelho. A característica dos motores 16v de renderem mais em rotações altas era muito presente nele. Na estrada ele chegava aos 190 km/h num piscar de olhos e até hoje, em 2016, foi o único carro que eu consegui chegar a 200 km/h. Tudo bem que foi com pé em baixo numa longa descida, mas o velocímetro chegou lá!

 

Outro ponto fortíssimo do carro era a durabilidade, nos primeiros anos ele era pouco utilizado e a primeira revisão conforme o manual seria com 20.000 km, aconteceu que ele chegou a essa quilometragem depois de a garantia ter acabado e por esse motivo nunca fez uma revisão em concessionária. Na verdade, tirando as trocas de óleo, filtros, pastilhas de freio, enfim, os itens de desgaste natural o carro foi ver uma oficina mecânica pela primeira vez somente aos 90.000 km por causa de um problema relacionado a sujeira num dos bicos injetores. Quando desligado, ficava pingando combustível dentro de um dos cilindros e de manhã estava tão afogado que era praticamente impossível de ligar o carro. No mais, depois disso eu me lembro também de um problema com a bobina onde um dos cilindros parou de funcionar, era possível rodar com o carro mas com dificuldade, fora isso não aconteceu mais nada. Em 2007 ele foi substituído por um Volks Vaguem Fox 1.0.

Ford Mondeo SW 2.0 16v GLX 1998

Completíssima, essa é a definição que eu dou em uma única palavra para esta perua, que foi comprada em 1999 seminova com apenas 27.000 km rodados para ser a substituta da Royale, porém sem nunca realmente assumir este papel... Isso não foi necessariamente ruim, é que ela era tão bonita que nós ficamos com pena de “botar para bater”. Lições aprendidas, pelo menos a curto prazo eu jamais comprarei um carro para não usar, o tempo passa e o carro perde o encanto, fica obsoleto frente aos outros modelos e você se dá conta que não o aproveitou enquanto podia. Pior que isso, no fim ninguém vai pagar um tostão a mais pelo carro por você ter “guardado” ele tanto assim, a não ser que seja guardado por tantos anos que se torne um clássico mas isso é bem difícil para a maioria das “pessoas normais”. É por isso eu uso o meu lindo Fusquinha assim que me dá vontade, sem dó, com responsabilidade e cuidado é claro, mas eu vou para onde me dá na telha.

 

A Mondeo foi comprada de um particular com cerca de um ano e meio de uso, fizemos um bom test-drive quando fomos ver o carro e percebemos apenas um problema que achamos que seria fácil arrumar, e de fato era. Talvez esse teria sido o motivo da venda por parte do primeiro proprietário? Difícil dizer mas não deixa de ser uma possibilidade. Os discos de freio estavam empenados, quando testamos o carro percebemos uma pequena vibração nos momentos de frenagem, pequenas na cidade porque na estrada acima de 120 km/h era tão forte a ponto de causar uma sensação de insegurança bem grande. A solução foi fácil e de custo relativamente baixo, foram trocados os discos e pastilhas de freio e pronto, problema resolvido. Este foi praticamente o único problema que o carro deu durante todo o seu tempo na família, que por sinal mais uma vez foi bem grande, dezesseis anos!!! Isso mesmo, de 1999 à 2015. Fora isso tiveram alguns coxins ressecados devido ao tempo e um problema com o câmbio que foi um pouco mais chato de resolver. Não sei precisar exatamente o ano mas creio que por volta de 2010 o câmbio, que era automático, ficou bem esquisito. As marchas não mudavam direito e o carro falhava muito, a ponto de ser quase que impraticável de andar. Inicialmente pensamos que era algo relacionado a injeção eletrônica, o carro foi levado a várias oficinas mas ninguém conseguia arrumar o problema, no final das contas quem arrumou foi o meu irmão em casa mesmo. Pesquisando na internet ele concluiu estar relacionado a alguns “sensores”, não tenho detalhes do que era exatamente mas ele mesmos arrumou o carro em casa que não voltou mais a dar problema.

 

Conforme eu comecei, era um carro muito completo, câmbio automático, teto solar, piloto automático e ar-condicionado digital eram alguns dos itens, este último que mesmo após quase vinte anos ainda é um item presente em poucos carros no Brasil, igualmente ao painel de material emborrachado, algo que hoje só é encontrado em carros de padrão bem elevado. A grande maioria dos sedãs médios, pick-ups e SUVs vendidos na atualidade por exemplo não tem painel emborrachado. A Mondeo tinha vários outros mimos também, como saída de ar para os pés dos ocupantes do banco traseiro, retrovisores externos com aquecimento e iluminação em todas as maçanetas internas. Novamente comparando aos carros atuais, quase vinte anos depois tem muito carro que sequer tem iluminação nos botões dos vidros elétricos, quem diria nas maçanetas. À noite na estrada, algo que os motoristas mens apaixonados por carro talvez nem percebam mas que me chamava a atenção, era a eficiência dos faróis de refletores duplos, diferente da maioria dos carros daquela época quando se ascendia o farol alto, o farol baixo não apagava, isso iluminava a estrada de uma forma que eu jamais tinha visto antes (posteriormente a minha esposa teve Fiat Palio Fire 2004 que tinha faróis equivalentes a estes da Mondeo).

 

Outro ponto forte do carro era a estabilidade, eu já li uma reportagem dizendo que a suspensão traseira do Mondeo foi uma inovação na época, ela era independente com duas barras de torção. Os benefícios disso eram facilmente percebidos nas curvas, muito diferente do que se possa pensar a respeito de uma perua daquele tamanho, o carro grudava no chão e não inclinava quase nada, algo que passa muita segurança ao motorista. Na estrada, o câmbio de quatro velocidades comum na época mas ultrapassado para os padrões atuais deixava um pouco a desejar, mesmo com um motor de 130 Hp numa estrada de pista simples o motorista tinha que conhecer bem as funcionalidades do câmbio para não se colocar numa situação de risco: o botão de “Over Drive off” que desligava a quarta marcha, a tecla “Sport” que fazia o carro trocar de marcha com o giro mais alto, e o uso do “kick-down” para reduzir a marcha. No entanto apesar de demorar um pouco para embalar, o carro era relativamente econômico na estrada, algo em torno dos 12km/l e tinha uma boa velocidade final, eu cheguei aos 190 km/h. Na cidade o consumo despencava para uns 5 ou 6 km/l. Para finalizar, eu digo que até hoje foi um dos carros mais confortáveis que eu já tive a oportunidade de dirigir

Painel da Mondeo
Painel da Mondeo
Mondeo
Mondeo

Citroen Xsara Break 1.8 16v GLX 2000

Mais uma vez, se eu definisse este carro com uma única palavra ela seria “estabilidade”, a Xsara Break parecia que andava sobre trilhos. Eu costumava tentar explicar como era essa sensação de estabilidade dizendo que se você estivesse numa estrada a 160 km/h e passasse num daqueles desníveis na entrada de uma ponte, daria para fazer isso tranquilamente com as duas mãos atrás da cabeça que o carro não desviaria nem um milímetro para os lados. É claro que eu nunca fiz isso, é apenas um exemplo. Esta perua foi finalmente a substituta da Royale, a Xsara Break foi comprada em 2003 com cerca de 50 mil km numa concessionária da própria Citroen, ela fazia parte de uma seleção de carros chamada “Confiance” onde a Citroen dava garantia de 1 ano no usado.

 

Diferente da Mondeo, o Xsara não era um carro tão completo mas conforme eu falei sobressaía no quesito estabilidade e eu acredito que a responsável por isso era a suspensão traseira, que apesar de não ser independente como na Mondeo, tinha uma outra artimanha. Segundo o manual ela era direcional e conforme o esforço que sofria as godas viravam alguns graus para a direita ou para a esquerda. Se fossemos comparar o comportamento da Mondeo e do Xsara eu diria que a Mondeo segurava mais nas curvas, enquanto o Xsara passava uma sensação maior de segurança em altas velocidades. Na verdade os dois carros eram excelentes no quesito estabilidade mas com estas características específicas. Dentre os outros diferenciais do Xsara estavam os freios à disco nas quatro rodas e os airbags laterais, algo que no ano 2000 era um equipamento presente apenas nos carros mais luxuosos. O acabamento interno era de boa qualidade com bancos macios e de tecido aveludado, porém com o painel e algumas partes da porta de plástico rígido, apesar disso o design era bem moderno.

 

Quanto ao motor, ele dava conta do recado muito bem, assim como o Palio, chegava facilmente aos 190 km/h com a diferença de ter um pouco mais de torque dando mais força nas subidas, eram 112 hp de potência e 16 kgfm de torque. O Marcelo Tonella costuma falar que não se importa com esse tipo de números e que o que importa é o que o carro transmite ao motorista, e aqui eu tenho que concordar com ele, lendo esses valores me parece pouco mas andando no carro não era nada disso, ele era bem forte.

 

O carro ficou na família até por volta de 2010 se não me engano, quando foi abalroado por um Ford Ka e teve perda total por parte da seguradora. O estrago não chegou a ser tão grande assim e não houveram vítimas no acidente, por sorte, mas por ser um modelo importado já com cerca de dez anos de idade o valor do conserto ultrapassava a porcentagem do valor total do carro que a seguradora considera ser vantagem consertar ao invés de indenizar o cliente com o valor total e provavelmente leiloar o carro depois. Era noite de Natal, ele estava estacionado em frente de casa e uma pessoa que havia saído de uma festa a poucas quadras de casa simplesmente passou em uma lombada e perdeu o controle do carro, bateu na lateral do Xsara e o empurrou contra uma árvore na calçada, sendo assim amassou tanto a lateral entre as portas dianteiras e traseiras, quanto a traseira que bateu na árvore. Para se ter uma idéa do impacto, a frente do Ford Ka chegou a entrar um pouco por baixo da lateral do Xsara prendendo um carro no outro, eu não estava lá mas pelo que me foi contado foi preciso puxar o Ka para soltar do outro. Durante os cerca de sete anos que o carro ficou conosco houve um outro pequeno acidente onde foram trocados faróis para-choque dianteiro e desamassado o capô, quanto a problemas mecânicos eu só consigo me lembrar de um, relacionado a vazamento na bomba d’água. Se não me engano ele tinha cerca de 110 mil quilômetros na época do acidente, ou seja rodamos por volta de 60 mil com ele.

 

Para completar a família de peruas, posteriormente ainda houve uma Renault Megane, mas desta eu não tenho estórias para contar pois já não morava mais com os meus pais e pouco dirigi este carro.

Painel do Xsara
Painel do Xsara

Volkswagen Voyage 1.6 CL 1988 e 1.8 GL 1992

O Voyage em 1988 para mim representou um marco, um novo tempo, um carro moderno. Foi o primeiro carro da família a ter para-choques de plástico, eu me lembro que quando vi o carro pela primeira vez achei lindo. Nós estávamos no sítio do meu avô passando férias e meu pai chegou num final de semana com o carro novo já tarde da noite, eu que era criança com 7 ou 8 anos de idade já estava dormindo mas a primeira coisa que fiz quando acordei foi ir correndo espiar o carro pelas frestas do vitro de um banheiro que ficava na lateral da casa e de onde dava para ver o carro na garagem, me lembro desta cena como se fosse hoje! Para quem gosta de carros antigos o final da década de 80 representa este mesmo marco, pois se na época eu achei o carro super moderno, foi também o início dos chamados carros de plástico, não havia mais nenhum detalhe cromado, o que não era na cor do carro ou era de plástico ou era de metal pintado de preto. Outro detalhe interessante é que este Voyage tinha o interior “monocromático”, algo que desapareceu completamente no Brasil no período entre 1990 e 2010, o interior do carro combinava com a cor externa. O painel era marrom, as laterais de porta eram marrom, os bancos eram mesclados com marrom, e se não me engano até o carpete era marrom. A versão “CL” era a versão mais básica, não tinha ar-quente, nem vidros elétricos e muito menos ar-condicionado ou direção hidráulica, pode parecer pelado para os dias de hoje mas na época representava a forma como eram vendidos a grande maioria dos carros. Mas se por um lado o carro era bastante básico, por outro ele tinha algo que acabou conquistando uma legião de fãs até mesmo para os dias de hoje, quase 30 anos depois – um motor AP 1.6 (no caso a álcool, como na esmagadora maioria dos carros daquele período). O motorzinho 1.6 do Voyage não fazia feio para época, diferente do que acontece hoje nos motores “flex”, naquele tempo a diferença de potência dos motores a álcool era bem mais considerável. Adiantando um pouco o que eu vou falar mais a frente, posteriormente nós tivemos um Voyage 1.8 a Gasolina e segundo relatos do meu pai (eu não dirigia na época ainda) ele dizia que não sentia muita diferença em relação ao 1.6.

Nós ficamos com o primeiro Voyage durante 4 anos, de 88 a 92, para uma criança isso parece uma eternidade mas hoje eu acho que foi bem pouco tempo. Por outro lado o carro rodava bastante, eu me lembro muito bem quando o odômetro chegou aos 100.000 km e voltou para o zero, isso dava uma média de 25.000 km por ano, fazendo uma comparação com o carro que eu tenho hoje e que também está com quatro anos de uso, ele não rodou nem 45.000 km. Eu tenho algumas lembranças de problemas mecânicos como motor de arranque, carro fervendo e bateria não carregando mas nada mais grave que isso.


Assim como a Royale, o Voyage enfrentou bastante estrada de terra, uma das maiores atoladas que eu me lembro foi exatamente com ele. Estávamos chegando de férias tarde da noite e havia um local que formava uma enorme poça d’água, com um dez metros de comprimento, e bastante barro no fundo. Era sempre assim naquele lugar há muito tempo e nós e a maioria dos carros desviavam da poça pela lateral da estrada, porém naquela noite foi diferente, haviam passado uma patrola na estrada e situação se invertido. O fundo da poça que antes era fofo agora estava firme e a lateral da estrada que antes era firme agora estava fofa. O carro simplesmente afundou na lama até encostar o assoalho todo no chão, não havia meios de tirá-lo de lá para frente ou para trás, foi preciso um trator puxar o carro com a ajuda de uma corda, mas na tentativa de desatolar acelerando para frente e para trás o carro ficou completamente coberto de lama.

 

O segundo Voyage era de uma cor bem parecida com o primeiro mas um pouco mais clara, quase um “ouro” porém não tão vivo assim, além de ser a versão “GL” que era mais luxuosa que a “CL”, era também de 4 portas, algo ainda incomum para os carros nacionais. Por sinal se não me engano esta versão vinha da Argentina (Autolatina), mas ainda que fosse o “GL”, em relação a acessórios este exemplar especificamente só tinha o ar-quente e um relógio (analógico) a mais que o outro “CL”. Era também um modelo básico sem opcionais, mas um detalhe curioso e muito incomum hoje em dia é que o painel dos dois carros eram bem diferentes, não se tratavam de detalhes apenas mas o formato do painel era diferente. O do “GL” tinham linhas que emendavam com a lateral das portas dianteiras de forma que um complementava o outro, as partes eram tão integradas que havia até um duto de ar que passava do painel para a porta onde tinham saídas de ar para desembaçar os vidros laterais dianteiros. Outra coisa que mudava nas versões era o banco traseiro, o do “GL” tinha a espuma mais grossa e um formato meio abaulado que dava mais conforto aos ocupantes, já no “CL” o assento e encosto eram quase retos como se fosse a espuma de um colchão. Este segundo Voyage ficou bem pouco tempo na família, cerca de um ano apenas e sendo substituído pela Royale que eu já contei anteriormente, e pelo principal motivo de ter mais espaço para transportar aeromodelos.

Painel da linha "CL" (Fotos: Internet)
Painel da linha "CL" (Fotos: Internet)
Painel da linha "GL" (Fotos: Internet)
Painel da linha "GL" (Fotos: Internet)


VW Variant 1600 1976

A Variant foi o carro em que eu saí da maternidade e ficou na família até eu ter 11 anos, por isso tem um significado muito especial para mim. Apesar disso, é um pouco difícil falar deste carro por que eu era muito criança, mas ainda assim guardo boas lembranças. Era um modelo de 1976 ou 1977, não sei ao certo, e a cor era o Bege Alabastro, muito comum naquela época em vários outros modelos da linha VW também. Ela ficou na família por cerca de 15 anos quando foi vendida em 1991. Fazendo uma comparação para se ter uma ideia do valor de venda nos dias atuais, eu me lembro que era equivalente a um mini-buggy que eu sempre via à venda no Mappin (maior loja de departamentos da época) e como qualquer criança sonhava em ter um.

 

Naquela época já não usávamos mais muito o carro, ela ficava muito tempo parada, na verdade ficava no estacionamento de um hotelzinho pertinho da rodoviária de Uberaba. Meu pai quando tinha que resolver alguma coisa por lá ia de ônibus e pegava o carro então, e eu ia muitas vezes com ele, me lembro que os carburadores estavam sempre secos e o carro nunca tinha bateria para pegar. Ele sempre tirava a tampa do filtro de ar e jogava um pouco de gasolina nos carburadores e aí entra a parte mais legal, pelo menos para mim! Como o ônibus chegava bem cedinho, por volta das 6 horas da manhã e normalmente era Sábado, as ruas estavam desertas, não tinha ninguém para ajudar a empurrar o carro, parece ruim né? Mas para mim que naquela época tinha uns 10 anos era uma maravilha! Estávamos somente eu e o meu pai e eu não tinha força para empurrar o carro então eu ia na direção e meu pai empurrava, eu não sabia fazer o carro pegar então ele empurrava o carro até sair do estacionamento onde tinha uma descidinha bem leve, tinha que cruzar a avenida em frente ao estacionamento para parar numa ledeirona do outro lado. Eu achava o máximo, tinha até que parar num sinal! Quando chegava no ladeirão eu parava o carro ele assumia o controle.

Percurso que eu "dirigia" o carros sendo empurrado (Mapa: Google Maps)
Percurso que eu "dirigia" o carros sendo empurrado (Mapa: Google Maps)

O carro quando foi vendido estava muito bom de motor, apesar de frequentemente estar desregulado era um motor pouco rodado que devia ter uns 5 anos de uso mas com pouquíssima quilometragem porque como falei ficava muito tempo sem uso. O motor original havia fundido e ela tinha um motor novo que havia sido comprado 0KM numa concessionária VW, na estrada apesar da idade do carro, meu pai ainda chegava de vez em quando aos 140 km/h! Se por um lado o carro ainda andava bastante, por outro a lataria mostrava as marcas do tempo, esses carros do final da década de 70 enferrujavam muito. Olhando fotos de quando ela devia ter uns três ou quatro anos de uso já é possível ver pontos de ferrugem. Eu me lembro que as portas já haviam sido trocadas, a entrada de ar em cima do capô tinha sido fechada pois a caixa de ar já não desviava mais a água para fora do carro e uma situação que me marcou muito foi uma época que apareceram dois buracos no assoalho dos bancos traseiros. Meu pai falava para eu e o meu irmão não colocar os pés no chão, e mais uma vez eu criança achava o máximo o carro andando na estrada e nós vendo o asfalto passando por baixo!

Notem que com cerca de apenas dois ou três anos de uso o carro já apresentava pontos de ferrugem (acima do logo VW)
Notem que com cerca de apenas dois ou três anos de uso o carro já apresentava pontos de ferrugem (acima do logo VW)

Eu estou contando a história ao contrário, do final para o início até porque me lembro mais dos últimos acontecimentos, mas falando mais de quando ela era mais nova, foi um carro muito utilizado. Era o único carro que tínhamos e fazíamos tudo nele, inclusive viajávamos muito, só para se ter uma ideia meu pai conta de uma vez que ele foi para Uberaba e voltou no mesmo dia. É uma viagem de 550 km só de ida que hoje em 2016 com os carros e as estradas atuais eu acho pesadíssima de se ir e voltar no mesmo dia – 1.100 km no total! Imaginem por volta de 1978 quando a maior parte do percurso era feito em pista simples. A Variant durante a sua permanência conosco carregou desde a família e sua bagagem até armários e outros móveis, era um carro que com o banco traseiro rebatido tinha uma enorme capacidade de carga.

Ford Pampa 1.6 L 1989 e 1.8 GL 1992

Foram duas, ambas compradas usadas semi-novas com menos de 20 mil km, a primeira uma 1989 “L” 1.6 a álcool e a segunda uma 1992 “GL” 1.8 a gasolina. As duas Pampas representaram bastante para mim, se eu comentei anteriormente que a Variant foi o primeiro carro que eu “dirigi” ainda que com o motor desligado, a Pampa sim foi o carro em que eu realmente aprendi a dirigir – a “L” 1989.

 

Haviam três versões da Pampa, a “L” que era a mais simples, a “GL” que vinha com alguns itens de conforto a mais, e a “S” que tinha um apelo esportivo. No nosso caso as duas tinham bancos individuais, eu digo isso porque na maioria das Pampas L que se via na rua elas tinham o banco inteiriço. O banco individual proporcionava mais conforto, tanto é que nas versões mais completas era sempre assim, por outro lado o banco inteiriço dava a oportunidade de alguém se espremer ali no meio da cabine entre os outros dois ocupantes. No nosso caso, a primeira Pampa, além dos bancos individuais tinha apenas o ar-quente como equipamento opcional, a segunda (GL) já era bem completa, além do ar-quente ela tinha direção hidráulica, vidros, retrovisores e travas elétricas, janela traseira corrediça e um painel que incluía conta-giros, voltímetro e pressão do óleo. Eu arriscaria a dizer que era o topo de linha em equipamentos pois pelo que sei não existiam Pampas com ar-condicionado, pelo menos naquela época.

A "L" contava apenas com o velocímetro e no instrumento ao lado, marcador de combustível e temperatura da água. (Foto: Internet))
A "L" contava apenas com o velocímetro e no instrumento ao lado, marcador de combustível e temperatura da água. (Foto: Internet))
A nossa Pampa L era semelhante a essa, mas não desta cor, era um cinza chumbo. Visualmente ela não tinha calotas e nem o friso lateral. (Foto: Internet)
A nossa Pampa L era semelhante a essa, mas não desta cor, era um cinza chumbo. Visualmente ela não tinha calotas e nem o friso lateral. (Foto: Internet)
O painel da "GL" era cinza com o centro preto e o formato do porta-trecos em cima do painel era diferente (eu não sei dizer ao certo se isso era um detalhe da versão ou do ano de fabricação). (Foto: Internet)
O painel da "GL" era cinza com o centro preto e o formato do porta-trecos em cima do painel era diferente (eu não sei dizer ao certo se isso era um detalhe da versão ou do ano de fabricação). (Foto: Internet)
Essa é uma Pampa S, notem a diferença do retrovisor comparando com a outra foto ao lado, a nossa "GL" tinha esse mesmo retrovisor por ser elétrico, a grade dianteira originalmente era preta igual a da outra, posteriormente foi trocada por uma dessas.
Essa é uma Pampa S, notem a diferença do retrovisor comparando com a outra foto ao lado, a nossa "GL" tinha esse mesmo retrovisor por ser elétrico, a grade dianteira originalmente era preta igual a da outra, posteriormente foi trocada por uma dessas.

Enquanto a segunda Pampa já era produzida pela Autolatina e tinha um motor “AP” e câmbio Volkswagen, a primeira era puramente Ford e empurrada por um motor CHT. Um detalhe curioso é que da mesma forma que a maioria dos carros à álcool que tem um tanquinho de gasolina para partida à frio, ela também tinha esse tanquinho mas o funcionamento era manual, havia um botão no painel que quando pressionado injetava gasolina para a partida. Em relação a manutenção eu me lembro que a primeira com motor CHT passou algumas vezes por oficinas mecânicas, me lembro que na época que eu aprendia a dirigir ela estava com um problema no trambulador e as marchas eram difíceis de engatar e acredito que houveram alguns episódios de regulagem e limpeza do carburador também. Já a segunda, com motor AP surpreendeu pela ausência de manutenção, ela foi vendida com 92 mil km sem nunca entrar numa oficina. É claro que eu não estou falando de troca de óleo, freio, pneus e demais componentes de desgaste natural.

 

Se a primeira Pampa me marcou por ser o carro em que eu aprendi a dirigir, a segunda me marcou por ser sem dúvida nenhuma o carro mais divertido que eu já dirigi até hoje, 17 anos depois que foi vendida. Em grande parte isso se deve a idade que eu tinha, ela ficou conosco dos meus 14 aos 20 anos, uma faze de molecagens e pouca responsabilidade ao volante, não é a toa que as seguradoras cobram muito mais caro de pessoas com menos de 24 anos de idade. No interior tanto eu como o meu irmão já dirigíamos antes dos 18 anos em estradinhas de terra com pouquíssimo tráfego, algo em torno de um carro a cada meia hora. Eu me lembro que aqui em São Paulo nós alugávamos na locadora de vídeo fitas da Quatro Rodas com documentários sobre ralis e ficávamos sonhando com aquelas imagens, na época não tinha TV à cabo ou Internet com tanto conteúdo como hoje, e quando íamos para o interior queríamos fazer aquilo com o carro – a Pampa. Nesta época já era a segunda Pampa, a 1.8, nós saíamos pelas estradinhas de terra com a meta de andar acima dos 80 km/h, e andávamos bastante, me lembro de uma vez que passamos dos 70km de distância. Mas que carrinho resistente! Nunca teve que fazer nada na suspensão por exemplo! Se até hoje o meu recorde de velocidade total foi com o Palio Weekend, na terra foi com a Pampa. Em uma ocasião eu cheguei a 140 km/h!

Apesar da foto não ser da mesma época, foi nesta estradinha que cheguei aos 140 km/h
Apesar da foto não ser da mesma época, foi nesta estradinha que cheguei aos 140 km/h
A nossa Pampa GL (Cachoeira da Fumaça, Nova Ponte - MG)
A nossa Pampa GL (Cachoeira da Fumaça, Nova Ponte - MG)

Não foi só na terra que a Pampa mostrou a sua robustez, na água também, uma vez eu entrei numa avenida alagada em Piracicaba, era de noite e eu olhei o canteiro central da avenida aparecendo no meio da água, o que me fez concluir que a profundidade não devia passar de uns dois ou três palmos. O fato era que a avenida num trecho mais a frente ia um pouco para baixo do canteiro e quando eu vi o farol já estava iluminando em baixo da água. Não parou por aí, a profundidade aumentou ainda um pouco mais e a onda que se formava na frente do carro vinha por cima do capô e quando batia no para-brisas escorria para os lados! Quando eu vi aquilo eu tinha certeza que já tinha dado “pt” no carro, que a qualquer momento o motor iria parar e o carro encher de água até a altura do painel, mas não, ao contrário disso ela passou até o fim. A luz do alternador ascendeu e ela ficou falhando bastante, quando saiu da água eu parei e fiquei segurando o giro do motor um pouco mais alto para não morrer, acho que depois de alguns minutos a água secou e tudo voltou ao normal, mas para mim o principal responsável para permitir isso foi o posicionamento do filtro e tomada de ar do motor. Ao contrário do que na maioria dos carros que a tomada de ar fica posicionada logo atrás da grade, na Pampa ela ficava lá atrás perto da parede de fogo e bem em cima próximo ao capô. Apesar da água ter passado por cima do capô, lá dentro do cofre do motor certamente ficou um espaço com ar permitindo que o motor funcionasse, se a tomada de ar fosse na frente o motor teria aspirado água e seria o fim.

 

Na estrada o desempenho da Pampa era razoável, dava conta do recado mas não surpreendia. Eu não sei falar da primeira, a 1.6 à álcool, pois pela minha idade eu nunca dirigi ela no asfalto mas pelo que o meu pai comentava não era muito diferente da 1.8 à gasolina. Eu já relatei algo parecido com os dois Voyages, que como com este caso foram um 1.6 à álcool e outro 1.8 à gasolina, mais uma vez eu reforço que naquela época a diferença de potência dos motores à álcool era bem maior que hoje em dia, isso porque haviam diferenças de projeto entre os motores, taxa de compressão, etc. O fato é que a Pampa tinha uma limitação na estrada que talvez fosse até aerodinâmica, ela não passava de 160 km/h, eu acredito que a resistência do ar nessa velocidade fosse tão grande que o motor não tinha força de levar o carro a uma velocidade maior. Dentre as molecagens eu me lembro bem da primeira vez que peguei estrada, cerca de um mês ou dois depois de ter a carta de motorista em mãos, foi um “bate e volta” no Guarujá-SP. Ao contrário do que se pensa de um novato de carta que vai com cuidado, não, foi 140-160 o caminho todo!

 

Quanto a estabilidade, eu nunca dirigi outra pick-up pequena além da Pampa então não sei dizer se todas elas são assim, mas a Pampa tinha características muito marcantes que tornavam a sua direção muito divertida, boa para brincar. Por ser uma pick-up a diferença de peso entre o eixo dianteiro e traseiro era muito grande, a traseira era muito leve, tão leve que eu segurando no para-choque conseguia levantar as duas rodas do chão por não mais que um segundo. Quem entende um pouco de pilotagem de carros sabe do que eu estou falando, num carro de tração dianteira é muito mais fácil corrigir uma saída de traseira do que dianteira, e a Pampa saía muito de traseira. Chegava a ser divertido dar uns golpes na direção e ver o carro derrapando de lado, eram derrapadas controladas onde eu que não entendo quase nada de técnicas de pilotagem podia facilmente colocar o carro na linha novamente. Eu imagino que nas pick-ups de hoje, como VW Saveiro e Fiat Strada isso não seja tão aparente, pois a Pampa era muito simples de acabamento, não havia nada na traseira para aumentar o peso além da própria estrutura do carro.

 

A Pampa foi um carro que me deixou muitas saudades, por todas essas e outras estórias a bordo dela, é um carro que se eu tivesse condições eu gostaria de ter uma hoje em dia apenas para relembrar.

Chevrolet S10 2.2 Deluxe Cab. Ext. 1996

Sem dúvida nenhuma a S10 foi o carro que tivemos que mais deu problemas mecânicos, por outro lado foi também o carro que mais rodamos, ela foi vendida com incríveis 290 mil km! A impressão que eu tinha é que eram dois carros em um só – uma estrutura extremamente resistente com um motor fraco, eu não estou me referindo a potência mas a durabilidade do motor e todos os componentes em volta dele. Enquanto ela tinha um câmbio que chegou a essa quilometragem sem apresentar nenhum problema, com engates muito precisos e uma suspensão que nunca precisou de reparos, apenas ajustes, o motor e os demais componentes em volta dele apresentaram problemas em quase tudo. Vou fazer uma lista mas certamente irei esquecer de algumas coisas, começando de dentro da cabine para o cofre do motor: Medidor da pressão do óleo que não funciona, conta-giros que o ponteiro trava, bancos que descosturam, limpador de para-brisas que não funciona, alternador e compressor do ar-condicionado travando, junta do cabeçote queimada (com 60 mil km), bomba de combustível queimada, etc.

 

Talvez fosse isso mesmo, uma caminhonete de projeto americano usando um motor pequeno para ela “adaptado” de outros carros da GM no Brasil, é fato que para ela andar, o motor tinha que girar bastante. Provavelmente isso acelerava o desgaste dele próprio e dos demais componentes ligados a ele por meio de correias. A S10 veio para substituir a Pampa, na época havia a intenção de trocar por uma Ford Courier 0 km (básica), mas as S10 com cerca de três anos de uso custavam o mesmo preço. Era uma caminhonete bem maior que a Courier, cabine estendida e bem completa também, ar-condicionado, trio-elétrico, luzes de leitura, air-bag para o motorista, faróis de neblina, rodas de liga leve e ABS traseiro acabaram nos conquistando. Isso sem falar que as S10 dos anos 90, no caso era uma 1996 ainda herdavam o acabamento das S10 americanas, na verdade elas eram quase idênticas por dentro. O painel era de material emborrachado e a parte superior das portas misturando um material macio e tecido, hoje em 2016, 20 anos depois, que eu saiba nenhuma das caminhonetes fabricadas no Brasil tem o painel emborrachado, nem mesmo a própria S10. Essa herança americana trazia também um nível de conforto bastante elevado para os ocupantes, lembrando que ainda estamos falando de uma caminhonete, então não dá para comparar com um carro de passeio.

 

Para dirigir, a S10 era bastante estável e macia, mesmo chegando na velocidade de corte pela programação do módulo de injeção eletrônica a cerca de 170 km/h, ela passava muita sensação de segurança ao motorista. Eu falei anteriormente que o desempenho da Pampa era razoável e que ela não passava de 160 km/h, aí vemos que velocidade final não significa nada, a S10 no geral tinha um desempenho bem pior que o da Pampa apesar de depois de muito tempo chegar aos 170 km/h e só não passava disso porque a injeção cortava. Mas se por um lado a velocidade final não era ruim, por outro ela demorava muito para ganhar velocidade e nem mesmo conseguia manter os 120 km/h nas subidas, na estrada as reduções de marcha de 5ª para 4ª tinham que ser constantes, isso é uma coisa que deixa as viagens longas bem mais cansativas, é como viajar com carro 1.0. O consumo de combustível também não era baixo pois era preciso dirigir a maior parte do tempo com “pé embaixo”, se não me engano na estrada era algo em torno de 8 ou 9 km/l a uma velocidade de 110-120 km/h. Algo curioso é que eu ouvia donos de S10 com motor V6 relatando consumos igual ou melhor que esse, e isso se deve ao fato de que o motor V6 era muito mais potente que o 4 cilindros, eram 180cv contra 109cv, enquanto os motoristas das S10 V6 dirigiam relando o pé no acelerador, os motoristas das 4 cilindros estavam quase encostando o acelerador no tapete.

 


Apesar de todos os problemas mecânicos e da falta de potência, se colocássemos numa balança as demais qualidades deixavam o resultado positivo e provavelmente por isso ficamos com ela durante 9 anos e rodamos tanto, o que fez acumular muitas estórias e boas lembranças a bordo dela. No ano em que compramos ela eu fiz uma viagem com o meu irmão para a Serra da Canastra – MG, nós chegamos lá à partir da cidade de Sacramento, Noroeste do parque. Era um longo trecho de terra para chegar, fora a extensão do parque nacional em si, mais o que rodamos na outra extremidade do parque, ao longo de três dias foram cerca de 450 km de terra e pernoites em campings. Por falar em camping, isso me lembra uma situação apertada que passamos no camping abaixo da cachoeira Casca D’anta na beirada do rio São Francisco (o Velho Chico), a duras penas nós aprendemos que a iluminação interna da S10 esgotava a bateria rapidamente, eram 5 lâmpadas: uma no teto, duas de leitura embutidas no retrovisor e duas embaixo do painel iluminando o assoalho.

 

Nós havíamos acampado bem ao lado do rio e o carro estava estacionado ao lado da barraca de costas para o rio, após uma caminhada matutina até o topo da cachoeira voltamos e desmontamos o acampamento para dormirmos a noite seguinte em um outro local, porém para a nossa surpresa quando entramos no carro a bateria estava fraca o suficiente para não conseguir girar o motor de partida. Não tinha esgotado por completo, as lâmpadas ainda ascendiam, mas não na intensidade normal. Naquele local relativamente isolado, não éramos os únicos no camping mas no momento não havia ninguém por perto só nos restava tentar empurrar o carro e tentar uma partida “no tranco”. É aí que se vê a diferença de um carro pequeno para uma caminhonete de tamanho médio, a S10 é muito mais difícil de empurrar do que um carro, e ainda por cima uma das rodas traseiras estava ligeiramente afundada numa valetinha na grama. Para tirá-la daquele buraco, nós dois fora da caminhonete tentávamos empurrar para frente e para trás, como num movimento de gangorra que ia aumentando aos poucos até que saísse do buraco. O que aconteceu então foi que para a nossa surpresa ela saiu para trás onde o terreno começava a descer em direção ao rio, e nós dois para fora! Por muita sorte deu tempo de pular dentro do carro e pisar no freio, por pouco a S10 não caiu dentro do rio! Eu não me lembro mais exatamente como conseguimos ligar o carro mas acho que acabamos achando alguém com um “cabo de chupeta”.


Outra coisa que aprendemos as duras penas com o passar do tempo foi que caminhonete off-road é caminhonete 4x4, caminhonete 4x2 de tração traseira é pior que carro de passeio na lama. Eu me lembro de duas atoladas bravas com a S10, numa delas com muito custo, estávamos em três pessoas conseguimos desatolar na mão, mas no outro caso foi preciso um outro veículo puxando com corda. Tudo bem, duas grandes atoladas em nove anos até que foi bem pouco, mas o caso é que um simples gramado molhado se tornava um desafio, ela derrapava demais, não conseguia se mover em um terreno liso que tivesse qualquer inclinação. Numa estrada de terra com um trecho curto de lama eu até posso dizer que era melhor que um carro, pois por sua altura mais elevada e pela robustez de ser uma caminhonete, dava para entrar bem mais embalado que um carro baixo. No final das contas acho que foi por isso que as grandes atoladas foram bem poucas, a altura em relação ao chão compensava a falta de tração.

 

Uma outra situação que nos mostrou que se tratava de uma caminhonete verdadeira foi um acidente num semáforo de Uberlândia, nesta ocasião era meu pai que estava dirigindo. Aquela situação onde o sinal fica amarelo e você acha que dá tempo de passar, porém o carro da frente – um Gol, desistiu e freou com força de última hora o que resultou numa colisão na traseira do Gol. Eu não estava presente mas pelo que o meu pai contou a traseira do Gol amassou tanto que chegou até a dobrar os para-lamas em cima das rodas, e na S10? Não aconteceu nada! Bastou passar um polidor na borda do capô que tinha ficado com o emblema redondo da Volkswagen estampado na pintura.

 

Conforme eu já comentei anteriormente, que a S10 passava a impressão de ser dois carros em um só, o lado de caminhonete resistente pode ser comprovado pelo fato de que ela chegou aos 290 mil km com os quatro amortecedores originais, ok já estava na hora de trocar, mas chegaram até lá, ou então que a embreagem só foi trocada uma vez, o que dá uma média de mais de 150 mil km para cada embreagem considerando que quando foi vendida a que estava lá ainda estava boa!

VW Gol 1.0 Trend 2008

Resumidamente, eu defino o Gol como um carro de ótimo design e dirigibilidade mas com qualidade incompatível ao que se espera de um Volkswagen. Dos carros que eu comento aqui, o Gol foi o primeiro realmente no meu nome, e foi um presente de casamento dos meus pais. A escolha do carro em si foi minha, o presente era na verdade uma quantia para ser usada na compra de um carro, uma quantia um pouco maior do que o valor que eu paguei pelo carro mas foi assim que eu decidi, que ao invés de usar tudo na compra do carro eu deveria aproveitar para quitar algumas outras despesas relacionadas ao casamento. Na minha opinião dentre os modelos de entrada, o Gol era o mais bonito, a Geração V havia acabado de ser lançada há menos de dois meses e em casa meus pais estavam com um VW Fox 1.0 que estava agradando muito, esses dois fatores foram cruciais na decisão pelo modelo. A Geração V do Gol foi talvez a maior inovação do modelo até os dias de hoje em 2016, era um carro totalmente novo, inclusive no que dizia respeito a motor e câmbio, o motor que até aquele momento era na posição longitudinal, diga-se de passagem algo totalmente ultrapassado para a época, agora vinha na posição transversal.

Tradicional teste na Rodovia dos Bandeirantes, primeiro fim-de-semana com o carro.
Tradicional teste na Rodovia dos Bandeirantes, primeiro fim-de-semana com o carro.
Notem que o rádio ainda nem havia sido instalado.
Notem que o rádio ainda nem havia sido instalado.
Alguns dias depois já com o rádio.
Alguns dias depois já com o rádio.

O belo design do farol...
O belo design do farol...
e da lanterna!
e da lanterna!

No que diz respeito a dirigibilidade, o Gol era muito estável, eu diria que até surpreendente para um carro daquela categoria, muito mais estável que o concorrente Fiat Palio. Era um carro bonito, bem acabado e confortável para se fazer viagens longas, eu fiz várias e nunca tive problemas de ficar com dor nas costas ou algo parecido, até aí tudo o que se espera de um Volkswagen. Eu não sei se era pelo fato de ser um carro recém-lançado ou não, mas o fato é que ele apresentou alguns problemas que ao meu ver eram inadmissíveis para um carro zero km ou mesmo seminovo, eu já contei sobre a Ford Pampa, Fiat Palio Weekend, Ford Mondeo SW, Citroen Xsara Break, todos eles foram carros que chegaram pelo menos aos 90 mil km sem dar nenhum problema. Bom, vamos listar aqui o que aconteceu com o Gol: Desde novo quando chovia caiam alguns pingos de água pela borracha da porta do motorista, era bem pouquinho, não chegava nem a empoçar nem nada, mas me incomodava porque pingava bem no meu joelho esquerdo. Teve um recall para o sistema de partida a frio, detalhe, o meu carro não tinha nenhum problema para ligar de manhã, eu cheguei a ligar o carro abastecido com álcool a 6 graus negativos e o carro pegou normalmente (vou contar sobre isso mais a frente), depois do recall com temperaturas iguais ou menor que 11 graus o carro só pegava na terceira ou quarta tentativa. Na concessionária eles diziam que até cinco tentativas era normal. Como Assim? Antes sempre pegava na primeira. Os cabos de vela me deram problema duas vezes, na primeira eu não percebi o que era, na segunda, eu mesmo troquei em casa e percebi que o que dava problema tinha o comprimento no limite. Ele ficava tão repuxado que dava problema no isolamento com facilidade, à noite dava para ver as faíscas “pulando para fora”. Outra coisa que deu problema foi o atuador da embreagem hidráulica, apesar dela ser muito macia e confortável para o motorista, um belo dia o pedal travou lá no fundo e o carro teve que ser guinchado até a oficina. E por fim, alguns meses depois que acabou a garantia um rolamento dentro da caixa de câmbio começou a roncar, eu diria que esse foi o problema mais sério de todos, porque apesar do carro não ter me deixado na mão, é muito raro, complicado e custoso abrir uma caixa de câmbio.

 

Ainda falando em garantia, não se trata de um problema exatamente mas houve um recall para trocar uma das páginas do guia de manutenção do carro, e alteração era que as revisões ao invés de serem feitas a cada 12 meses ou 10 mil km passariam ser feitas a cada 6 meses ou 5 mil km. E o custo disso para o proprietário? Eu acredito que muita gente leva em consideração o valor das revisões na hora de decidir por um modelo ou outro e nesse caso o custo estava simplesmente dobrando, todos os itens passaram a ter metade do intervalo original de revisão. É claro que para manter a garantia até o final, aquele cronograma teria que ser seguido.

 

Apesar dos problemas que eu descrevi anteriormente, eles não chegaram a comprometer a utilização do carro em si, como eu falei é apenas aquela sensação de que carro novo não quebra, e nos anos pós 2000 não deveria quebrar mesmo, principalmente se tratando de um Volkswagen que sempre foi referência em durabilidade. Eu fiquei com o carro por cerca de quatro anos, de 2008 à 2012 e rodei cerca de 44 mil km, e apesar de ser um carro 1.0 fiz algumas boas viagens nele para Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Destas, a mais interessante foi a de PR e SC.

 

Era inverno e a intenção era pegar um pouco de frio mesmo, por isso a escolha da região Sul do Brasil. Nós fomos em quatro pessoas com o espaço de bagagem irmãmente dividido entre nós, dias antes da viagem nós compramos quatro malas iguais no estilo sacola que tiravam o melhor proveito do porta-malas do Gol. Eu costumo dizer que malas rígidas são para viajar de avião, nos carros as malas flexíveis aproveitam muito melhor o espaço pois elas se moldam no formato do carro e não deixam aqueles cantos vazios e perdidos. O motorzinho 1.0, dentro da sua categoria é claro, nos levou muito bem durante toda a viagem. Nos trechos de subida de serra as reduções para 3ª marcha muitas vezes eram necessárias, o que mantinha o giro do motor bem alto e a velocidade em torno dos 90-100 km/h, parece pouco mas como eram trechos onde geralmente a máxima era de 80 km/h, estava de muito bom tamanho.

O porta-malas lotado de bagagem.
O porta-malas lotado de bagagem.

Passamos cerca de dois dias em Curitiba com temperaturas mínimas em torno dos 4 ou 5 graus e então tomamos rumo a cidade de São Joaquim no alto da serra Catarinense, para que os caminhos de ida e volta fossem diferentes, fomos por Blumenau em direção a Lages onde a subida da serra é relativamente suave e voltamos pela famosa Serra do Rio do Rastro em direção ao litoral sul de SC. Em São Joaquim a temperatura já era bem mais baixa, à noitinha já estava por volta de zero grau, mas frio mesmo estava na manhã seguinte – 6 graus negativos, a temperatura mais baixa que eu já peguei no Brasil. Não tivemos a oportunidade de ver neve porque o tempo estava bem aberto mas a geada foi forte, o carro amanheceu coberto de gelo, me lembro que eu liguei o limpador do para-brisas e ele nem conseguia remover o gelo do vidro, até mesmo algumas poças de água no chão estavam congeladas.

 

Eu estava muito curioso para ver o motor pegar naquela temperatura, o carro estava abastecido com álcool e para mim aquilo era um teste. Estávamos num hotel fazenda e quando acordei logo cedo havia também um outro casal querendo ir até a cidade que estava a poucos quilômetros dali, até aquele momento nós não sabíamos a temperatura, queríamos ir na cidade ver o termômetro da praça. O casal estava num Chevrolet Celta alugado e não conseguiram dar a partida no carro, eu entrei no Gol e ele ligou de primeira! Foi interessante que mesmo depois do motor pegar a bombinha do tanque de partida à frio continuou funcionando por vários segundos, dava para ouvir ela injetando gasolina no motor que ainda estava muito frio. Neste dia a temperatura máxima não passou de uns 2 ou 3 graus e naqueles locais mais sombrios o gelo da geada persistiu até o final da tarde.

Na verdade nós só passamos o dia em São Joaquim, por volta das 15h já estávamos deixando a cidade rumo a Serra do Rio do Rastro, um lugar lindo que eu gostaria muito de voltar para ficar mais alguns dias e aproveitar melhor a região. Este trecho de serra é tão sinuoso que eu  ouvi dizer que alguns ônibus que passam por ali tem que parar e manobrar para conseguir fazer as curvas mais fechadas, no alto antes de iniciar a viagem tem um mirante onde é possível avistar muito longe mesmo. Quando iniciamos a decida haviam alguns barrancos de pedra ao lado da estrada, por onde normalmente escorria água, nos quais a água estava congelada formando pequenos pingentes.